16.1.10

Tortura é crime comum


O jurista e professor emérito da USP Dalmo Dallari não tem dúvidas de que o crime de tortura - inafiançável e não sujeito a anistia, segundo todos os tratados internacionais assinados pelo Brasil - não está coberto pela Lei de Anistia aprovada em 1979.

"É absurdo classificar a tortura como crime político, quando é uma aberração do sistema, que não está prevista nem nas leis da ditadura", afirmou.

Dallari lembra que defende a aplicação da lei também contra guerrilheiros que tenham torturado inimigos.

Segue a entrevista de Dalmo Dallari ao repórter Moacir Assunção do jornal O Estado de S.Paulo:

P- Por que, na visão do senhor, a tortura não está coberta pela Lei de Anistia, como sugerem o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, e a Advocacia-Geral da União?

R- Há razões objetivas, jurídicas para discordar desta visão, excessivamente formalista, típica de burocratas jurídicos. Nenhum objetivo político inclui a tortura como prática.

A tortura de presos políticos era praticada por pessoas degeneradas, que se aproveitavam do posto que ocupavam para praticar este crime. As próprias leis da ditadura jamais colocaram a tortura de prisioneiros como objeto da ação do regime.

P- Então, está incorreta a visão segundo a qual a Lei de Anistia perdoou todos os que participaram de conflitos armados na ditadura?

R- Na jurisprudência nacional e internacional trata-se de crime contra a humanidade não afiançável e não passível de anistia. Se em algum país perdoa-se torturadores, a interpretação é de que estaria ocorrendo auto-anistia, que não teria nenhum valor jurídico. Os próprios torturadores não podem se perdoar, o que seria um absurdo.

P- Como será a decisão do Supremo Tribunal Federal, provocado por pedido de explicações do Conselho Federal da OAB sobre este tema?

R- Não tenho dúvida de que o STF vai julgar por critérios jurídicos e não políticos. Assim, dirá que a tortura não é passível de anistia.
Se houver dúvida, basta observar a Constituição Federal que veta qualquer forma de tratamento degradante a prisioneiros, inclusive a tortura.

P- Qual a conseqüência que uma decisão neste sentido trará à imagem do Brasil?

R- Será muito bom. Tenho visitado países latino-americanos e sou cobrado por colegas. "Até quando vocês vão perdoar os torturadores ?" é o que mais ouço.

Resistir a uma ditadura não é ato terrorista


O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Cezar Britto, defende que guerrilhas de esquerda para depor governos ditatoriais, como ocorreu na ditadura militar, no Brasil, são atos legítimos e garantidos pela legislação internacional, chancelados pela Organização das Nações Unidas (ONU), que não configuram terrorismo.

"Entendemos que a manifestação contra governo ditatorial é legítima, faz parte da sobrevivência de um povo", disse ele.
"A ONU tem admitido que o fato de resistir a uma ditadura, não é ato terrorista", acrescentou

A declaração do presidente da OAB, feita após audiência com o ministro da Justiça, Tarso Genro, contraria a tese do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, de que a Lei da Anistia, de 1979, vale para todos os lados - sejam torturadores do regime militar, ou guerrilheiros de esquerda que tenham praticado atos de terrorismo, como assalto a banco, seqüestro de diplomatas e assassinatos.

A OAB é autora da ação no STF que pede punição para torturadores. Tarso defende as mesmas teses de Britto, para quem o presidente do tribunal precipita-se ao revelar sua opinião sobre um assunto que ainda será julgado na Casa, quando coloca torturadores e guerrilheiros no mesmo nível.

"Esse é justo o tema que está sendo colocado para o STF decidir", explicou o presidente da OAB. "O que nós reafirmamos é que aquele cidadão que estava preso a disposição do Estado, que deveria lhe dar segurança, não poderia ser vítima de tortura".

Segundo o presidente da OAB, é assim que funciona na legislação de todo o mundo, que o Brasil tem apoiado. "Não basta apoiar uma legislação, é preciso fazer o dever de casa", cobrou. Mas ele acha que o debate está sendo saudável e que, ao final, prevalecerá a tese universal compatível com os direitos humanos e o STF terá uma decisão histórica.

"O Brasil vai ficar em paz com sua história ao reconhecer que aqui, como nos demais países, torturador não tem vez", desejou.